O GOGÓ-DA-EMA
Sobre o Gogó-da-Ema, o maior símbolo de Maceió, o historiador Luiz Veras Filho, num excelente trabalho publicado pela Fundação Teatro Deodoro, da série MACEIÓ História e Costumes, assim se manifesta: “Uma onda de tristeza, lamentos e protestos invadiu Maceió na manhã do dia 28 de julho de 1955, ao ser divulgado, amplamente, o tombamento no sentido drástico do vocábulo do Gogó-da-Ema”.
Lá estava, deitado, moribundo, na areia da Ponta Verde, o palmáceo poético da cidade. Há muito que se esperava o espetáculo. Os jornais e a população clamavam por uma proteção mais segura ao coqueiro.
Desprezado pelas autoridades, apesar de gabado e sempre apresentando por todos os maceioenses aos visitantes da cidade, o “Gogó-da-Ema”, às 16:30 horas. Do dia 27 de junho de 1955, teve sua proteção fortemente invadida pelas águas impetuosas do Atlântico; e finalmente, sem mais se conter em suas raízes, caiu, naquela encantadora hora de início de crepúsculo, como são os fins-de-tarde da Pajuçara e da Ponta Verde.
O “Gogó-da-Ema” desafiava a lei da gravidade, o que fazia com que houvesse a necessidade do máximo de fixação ao solo para que permanecesse de pé. Mas, o que ele mereceu das autoridades foi apenas um punhado de barro em sua base e um cais-de-proteção de troncos e coqueiros, estacas de madeira e pedaços de arrecifes extraídos do local, juntados com cimento, de pouca resistência, que a preamar, sempre debelando, aos poucos foi tornando sua queda iminente.
Nunca se pôde compreender o esquecimento a que foi relegado, dentro do Estado, o coqueiro-aleijão, cujo defeito o tornou motivo histórico para nossa capital. A fama da inditosa palmeira atravessou os limites de Alagoas para tornar-se conhecida no país e no estrangeiro, através de postais, gravuras, fotografias, panfletos e “posters”. As imagens colhidas pelos habilidosos fotógrafos amadores ou profissionais, apresentam o Gogó nas manhãs tranqüilas e cheias de luz, em noites poéticas, com a lua a surgir dentre as nuvens, através da sua fronte majestosa a dominar a paisagem.
O “Gogó-da-Ema” vivia por todas as partes: na vida dos estúdios; nos álbuns de seus mostruários: na bela coleção de fotografias colorizadas que enriqueciam e encantavam o atelier de Arnaldo Goulart; nas telas de José Paulino; Por toda a parte estava o “Gogó-da-Ema”.
O local onde ele dominava torna-se o ponto de encontro escolhido dos namorados e das conquistas arriscadas. Nas tardes amenas, era o passeio preferido pelo encanto maravilhoso da paisagem marítima e pelos que se deliciavam com a água saborosa do coco verde.
Nas noites de luar, o “Gogó-da-Ema” foi testemunha discreta e muda dos encontros felizes, das confissões apaixonadas que ouvia, dos devaneios, dos íntimos aconchegos amorosos a que assistia impassível. Ele atraía, com um estranho magnetismo, os namorados, como se fosse tal como Vênus da mitologia, inspirando mais o amor, lançado nos pensamentos palavras carinhosas que transmitimos àqueles que amamos...
Lembro-me, quando menino, vi o “Gogó-da-Ema” pela primeira vez: o dia era claro e a luminosidade cobria a terra; e eu, boquiaberto, admirava aquela silhueta que se lançava ao mar e ao firmamento. Fiquei deslumbrado por algum tempo, olhando aquela paisagem maravilhosa que mais parecia imaginária...
Veio o entardecer, uma brisa suave agitava os meus cabelos salgados, o vento tornava-me sonolento, o manto escuro começava a substituir a luminosidade do sol que se tornava rubro cada vez mais, tornando tão bonita que nenhum pintor deste universo, por gênio que fosse, conseguiria transpor para sua tela.
Era, o “Gogó-da-Ema”, o coqueiro fenomenal que, acidentalmente, cresceu a Natureza, para ser retilínea, às vezes entorna - daquela forma: na parte inferior da curava pronunciada do “Gogó”, havia cicatrizes de traumatismos causados por pequenos insetos que, com certeza, afirmaram agrônomos da época, deram-lhe aquela forma. Era uma espécie de monumento da natureza, o qual, naquela solidão, vivia confortado pela lembrança de todos os que o visitavam para ser se, de fato, aquele vegetal tinha mesmo, no tronco a do pescoço dos pernaltas.
Ele ficava na ponta do semi-cabo que conhecemos como Ponta Verde, como se fosse um farol, mostrando as adjacências dos pontos de partida dos destemidos jangadeiros. E, naquele recanto, ele era como se fosse uma pessoa contado-nos uma história que só terminava quando se saía de lá. O coqueiro amigo era como recanto para todas as idades, porque era o recanto para todas as mocidades.
Quando foi plantado e quem o plantou, isso ninguém descobriu. Quem o batizou, ninguém o sabe, mas , segundo Roberto Stukert, um repórter fotográfico que foi o então Deputado e escritor Mendonça Júnior, que havia, também, sido diretor do Departamento Estadual de Cultura.
Segundo se afirmava o coqueiro-símbolo de Maceió existia desde os meados dos anos 10, no sítio outrora pertencente a Francisco Venâncio Barbosa, mais conhecido como Chico Zu.
No início era pouquíssimo conhecido, e quem o fosse ver arriscava-se a ser mordido por cães que guardavam o local.
Além do descaso das autoridades, outro motivo que provocou sua morte, segundo consta, se deu a partir de 1930, quando, próximo ao local, uma empresa norte-americana perfurou vários poços em busca de petróleo; os alicerces de uma das torres ainda estão lá até hoje. Com isso, o mar começou a avançar, derrubando vários coqueiros, fazendo com que se pudesse divisar o “Gogó” ao longe, quer da praia de Pajuçara, quer no mar.
Mas o mar continuava a avançar, pondo em risco a famosa palmeira. Veio então a construção do Porto de Jaraguá, que ocasionou mais acentuadamente a invasão marítima, quando a prefeitura construiu o bisonho cais-de-proteção, que não resistiu à Fúria do mar.
José Dias de Oliveira, empregado na propriedade onde ficava o “Gogó”, que já pertencia ao Sr. Álvaro Otacílio, foi quem viu o coqueiro cair: “... Ele não caiu de uma vez. Foi aos pouquinhos. Foi caindo e, Já em baixo, despencou com mais violência, com um barulho seco”.
A queda do referido vegetal chegou a merecer uma ampla reportagem em “O Cruzeiro”, a melhor revista brasileira da época, ilustrada com fotografias dele, imponente, majestoso e, depois, sucumbido.
Tentaram ressuscitar o coqueiro, com a participação de centenas de pessoas, autoridades e agrônomos, além do Corpo de Bombeiros, o qual, com a ajuda de um guindaste, ergueu a árvore. Essa iniciativa foi encabeçada pelo jornalista Carivaldo Brandão.
Mas, em 1956, foi, o “Gogó-da-Ema”, dado como morto definitivamente. Sobre ele, é importante transcrever, aqui, palavras do ilustre folclorista Théo Brandão:
“É verdade que o 'Gogó-da-Ema' é um aleijão. Mas há harmonia em suas linhas. Quanto ao mais, o povo já o elegeu como símbolo da cidade. Significa uma preciosidade da terra”.
Como folcloristas, temos obrigação a zelar pelos que, mesmos sem serem feitos pelo povo, são entronizados como símbolo pelas camadas populares. Aliás, no material da comissão de Folclore de Alagoas, o 'Gogó-da-Ema' aparece como símbolo.
A LENDA DO GOGÓ-DA-EMA
Publicada no Boletim Alagoano de Folclore n° 11, de 1987, a lenda do Gogó-da-Ema é relatada da seguinte maneira, por Maria Aída Wucherer Braga:
Narra uma velha lenda: era uma vez uma índia morena, virgem de corpo e de coração:
Habitava a taba dos guerreiros caetés, tecia redes e se enfeitava de penas. Mirava o rosto nas águas claras da lagoa e corria pela mata, ouvindo o grito da araponga e respondendo ao canto da cauã.
Um dia ouviu-se um brado de guerra e os guerreiros partiram manejando os tacapes.
Os arcos retesados expediam flechas e eram tantas que se confundiam no ar.
Três sois lutam sem descanso e sem cansaço. Ao alvorecer do quarto dia voltaram triunfantes.
Entre os troféus, traziam preso um inimigo. Começaram os festejos. O índio era forte e era belo. Não queria ser sacrificado. Pediu para lutar e venceu três embates.
Não se mata um herói entre os índios. Só os civilizados têm medo da coragem e do heroísmo dos outros.
A virgem caeté apaixonou-se pelo índio prisioneiro e fugiram na calada da noite. Andavam sol a sol. Á noite deitavam-se na terra e suas bocas sedentas de água e sedentas de amor se encontravam na escuridão. Recomeçavam a caminhada com a autora.
A índia definhava. Seus passos já não eram ágeis, seus membros pesavam, seus olhos ofuscavam pela claridade dos dias de sol procuravam a terra e a cabeça pendia-lhe no peito. E a marcha prosseguia em busca de outras terras.
Um dia viram água, muita água. Era a imensidão do mar. Exausta, ela se deitou na beira da praia deserta. Suas forças chegaram ao fim.
Desesperado, ele pediu a Tupã que o transformasse em uma árvore cujo fruto tivesse água doce para matar a sede à sua amada, polpa para mitigar-lhe a fome, óleo para untar seus pés cansados e palmas longas para abrigar na sombra seu corpo franzino.
Tupã atendeu. Transformou-o em coqueiro, o primeiro coqueiro que houve sobre a terra.
Na ânsia de crescer, ele elevou o tronco muito acima das areias brancas e ela não alcançou seus frutos pendentes.
Então, num esforço gigantesco, ele se curvou para a praia, abaixando o tronco poderoso. A índia já não resistia. Com as mãos estendidas para colher os frutos de água doce e polpa macia, sua alma voara em direção às nuvens.
Novamente, num esforço supremo, ele movimentou o tronco para o alto e ergueu a copa verde carregada de frutos para o céu.
Até morrer ele ficou ali numa praia de Alagoas, embalando nas palmas adejantes, a alma fugitiva de sua amada.
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